Trinta anos depois de Chico Mendes, Xapuri vê o futuro repetir o passado
- Bruno Pacífico
- 12 de fev. de 2024
- 4 min de leitura

Após um período de calmaria, conflitos por posse de terra voltam a acontecer com as mesmas marcas do passado na cidade
Trinta anos após a morte de Chico Mendes, maior líder ambiental do Acre, sua história e seu legado ainda são lembrados, porém a cidade de Xapuri ainda vive muitos conflitos de terras e violência por parte dos fazendeiros. Esse tipo de conflito não é algo apenas do município, mas também de muitas cidades do Brasil.
O livro web “Conflitos no Campo 2017” lançado em junho de 2018 pela Comissão Pastoral da Terra — CPT mostrou que o número de lutas por terras no país em 2017 foi superior a 1.100 e envolveram mais de 100 mil famílias.
No estado do Acre nesse mesmo período foram registradas 75 disputas que envolveram mais de 5 mil famílias. Os motivos que impulsionaram esses conflitos são diversos: posseiros contra fazendeiro, posseiros contra posseiros e extrativista contra extrativista.
No município de Xapuri, o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais não sabe o número exato de conflitos na região nos últimos anos, mas tem acompanhado mesmo com suas limitações nesses casos.
Francisco de Assiz Monteiro de Oliveira, ou Assiz, que assumiu o sindicato há 1 ano, conta que logo após a morte do companheiro Chico Mendes os conflitos de terra estavam “acalmados”, mas hoje as atitudes que ocorreram há 30 anos voltaram a acontecer. No meio da entrevista, Cazuza é lembrado quando o sindicalista diz que “ver o futuro repetir o passado”.
Luta e memória — Desde sua criação o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri em 09 de janeiro de 1977, já passou por muitos embates internos. Chegou até as mãos de trabalhadores financiados pelos fazendeiros. Hoje é comandado pelo morador do Projeto de Assentamento Agroextrativista do Seringal Equador, Assiz.
A 100 metros da casa onde morou o maior ambientalista do Acre, a sede do sindicato, local onde foi realizada a entrevista para essa reportagem, guarda muito de sua memória. A máquina de escrever usada para redigir importantes documentos está visível, mas ninguém pode fazer uso dela. O funcionamento ocorre de segunda a sexta-feira e os trabalhos não faltam.
Segundo Assiz as comunidades que estão em conflitos são; Seringal São Pedro, Seringal Nazaré, Seringal Boca do Lago, Seringal Nova Esperança e Comunidade Vai quem quer. Logo quando assumiu deparou-se com problemas em Nova Esperança, mas foi em São Pedro onde a situação foi ao extremo. Em novembro o morador Francisco da Silva Oliveira, 32 anos, casado, pai de cinco filhos teve sua casa queimada.
Oliveira e moradores que o conhecem afirmam que quem mandou tocar fogo na casa foi o dono da Fazenda Vista Alegre, que está em processo de venda. Antes de ter a casa incendiada, o morador, com medo de morrer, foi para a casa de sua mãe, que fica em outro seringal, a 3 horas de distância.
Como o município de Xapuri não dispõe de um defensor público, o sindicato, mesmo sem condições, acompanha 60 famílias da Comunidade Vai Quem Quer e mais 40 famílias da mesma localidade que pretendem entrar com um processo na justiça por usucapião.
Usucapião — Dentre os casos que o sindicato está acompanhando está o do morador do Seringal São José Carão, João Martins, que há 7 anos entrou com um processo de usucapião e que no último dia 11 de maio aceitou o acordo feito pelo dono da Fazenda Bonfim. Para pôr fim a essa dor de cabeça que já durava quase uma década, Martins aceitou perder parte de seu seringal.
Nascido na Fazenda Bonfim, que antes de ser vendida para o fazendeiro Noel Junior a localidade era chamada de Seringal Palmeira. E foi aos 18 anos que se mudou para morar e constituir uma família em São José Carão. Há 4 anos, período em que o processo já estava tramitando na justiça, Noel Junior vendeu a fazenda para José Paris, que o acusou de entrar em sua fazenda pelas terras de trás e ali construir uma casa para sua família.
Casado, pai de um filho e com duas netas que estudam na comunidade em que vive, João Martins, 61, sobrenome que herdou do pai, mas foi batizado como João Ferreira da Silva, e mora há 40 anos na Colocação Alazão. Com os olhos cheios de lágrimas conta como perdeu 395 hectares no dia 11 de maio de 2018.
“ Há 7 anos e 11 meses entrei com um processo de usucapião, mas foi no dia 11 de maio depois de duas propostas negadas pelo fazendeiro José Paris, que me ameaçou de denunciar por desmatamento ilegal e já cansado e com princípio de depressão, aceitei o acordo”.
O acordo feito estabelecia que em 30 dias José Paris deveria desmembrar os 395 hectares da Fazenda Bonfim e dar todos os documentos de 260 hectares para João Martins. Até o dia 24 de maio, data do último contato da reportagem com o extrativista João Martins, os documentos ainda não haviam sido entregues.
Por três vezes a reportagem do jornal laboratório A Catraia tentou ouvir o Juiz da comarca de Xapuri, Luiz Gustavo, para informar sobre o acordo feito por João Martins e José Paris e outros processos de usucapião que tramitam na referida comarca, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos nenhuma resposta de seu assessor.
Berço do extrativismo — Xapuri é conhecida como a princesinha do Acre e terra de Francisco Alves Mendes Filho, ou Chico Mendes, maior líder ambientalista da história do Acre.
Nascido em 15 de dezembro de 1944, trabalhou desde criança no seringal Porto, com o pai. Aprendeu a ler aos 20 anos. A partir de 1973, passou a se envolver em conflitos de terras com fazendeiros. Em 1977, fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e foi eleito vereador na Câmara Municipal. Um ano depois, recebeu sua primeira ameaça de morte.
Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores no Acre. Denunciou a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros provocados por projetos financiados por bancos estrangeiros. No ano de sua morte, ganhou o prêmio Global 500, oferecido pela ONU. Em 2013, o ativista foi reconhecido, por lei, como patrono nacional do meio ambiente. Chico foi covardemente assassinado em 22 de dezembro de 1988 na porta de sua casa quando caminhava para tomar banho.
Publicado Originalmente no jornal A CATRAIA — Março de 2018





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